Foi minha primeira vez na Turquia. Viagens pra lugares tão diferentes do que a gente está acostumado sempre geram muitas dúvidas. Então espero esclarecer algumas das tuas dúvidas com este relato de como foi a minha viagem.
Primeiro, algumas observações importantes sobre Istambul:
- Muito lugar aceita cartão mas fiz bem em ter sacado dinheiro no primeiro dia. Teve dois lugares que não aceitavam, e gorjeta a maioria preferia dinheiro em espécie. O HSBC não cobra comissão pra saque.
- Esquecemos de trazer uma escarfe pra Julia usar pra entrar nas mesquitas. Compramos uma na região central por 80 liras (£ 3).
- Apesar de ser senso comum ter que barganhar pra todos os lugares, tem alguns que tem uma placa de “no bargain” que não adianta nem tentar. Eu, particularmente, até prefiro.
- Não senti os turcos prontos e dispostos na área de serviços, ao menos não como estamos acostumados em Londres (eu sei, eu sei, não dá pra comparar, mas é inevitável).
- A disposição é ainda mais diferente. Paramos num lugar pra comprar um suco e o cara pediu pra aguardar 5 minutos. Ele terminou o que estava fazendo e foi mexer no celular.
- Eles são loucos por celular. Estão sempre olhando pra uma tela.
- Até chip de internet tem que pesquisar, não tem preço padrão. O melhor que vimos foi 15GB de internet por 500 Liras (£ 22). Não compramos e ficamos só no Wi-Fi.
- Nem me arrisquei a pegar táxi porque sempre li coisas negativas a respeito. Tenho pavor dessas “máfias” e fico feliz que não deixei na uma Lira com eles.
- Istanbulkart: é necessário se for usar transporte público. Uma viagem de tram custa coisa de 10 Liras (£ 0.40). Pode usar o mesmo cartão pra ate 5 pessoas.
- O transporte público é limpo, eficiente e econômico. Usamos tram, ônibus, metrô e balsa. Tudo pagando com Instanbulkart.
Transporte até o centro: o que achamos mais vantajoso foi o ônibus da Hava. Estávamos hospedado perto da praça Taksim então a linha 16 foi direto em meia-hora. A ida pro aeroporto demorou 1 hora. No site deles diz que está rota dura 1h30. No site tem todas as rotas e transfers que eles fazem. O custo foi de 87 Liras cada (£ 4).
Airbnb - ficamos perto da praça Taksim. Achamos a localização boa por ser perto de supermercados e também fácil acesso vindo do aeroporto. No entanto, pra ir até a região central de transporte público usamos bastante o tram. E aí que é importante comentar que, se tiver interesse em ficar no mesmo Airbnb que a gente, considere que tem bastante escadaria e morro pra subir e descer especialmente até a estação do tram. A grande vantagem é que tem um monte de gatos pelo caminho. Foi este aqui. Tarik, o dono do apartamento, nos recebeu de braços abertos, mostrou detalhes do apartamento e nos indicou alguns lugares para comer e para compras. O apartamento é equipado com liquidificador, máquina de lavar louça, máquina de lavar roupa, microondas, forno, fogão e geladeira.
Dia 1
Começamos a viagem com um passeio guiado. Sendo guia em Londres eu mesmo sei o quão importante é chegar e ter uma visão geral da cidade logo de chegada. Contratei o tour pelo Airbnb experiences com o Cengiz. Nos encontramos na loja de doces Lale. Eles são tipo uma lancheria e servem café da manhã também. O café turco veio com queijo cheddar, um outro queijo parecido com qualho, presunto (não no meu caso), ovo cozido (bem mal cozido, sendo sincero), tomate e pepino. Ah, e pão com manteiga. Pra Julia não tinha opção vegana, então ela optou por uma sopa de lentilha (que depois de duas colheradas descobriu que tinha manteiga). Custou 115 Liras (£ 5).
No tour começamos pela Hagia Sophia, a Mesquita que foi museu até 2020 e que foi construída pra ser uma igreja. O nome é o mesmo desde o século 6, então a gente fala quase das origens do cristianismo.Tanto que dentro ainda tem alguns mosaicos com imagens de Cristo. A mais evidente fica logo na entrada, com a imagem do imperador que se casou várias vezes em súplica divina por não ter seguido a doutrina. Dentro também tem um mosaico da virgem Maria, no entanto este está coberto por umas cortinas, mas ainda parcialmente visível. A religião muçulmana não acredita em veneração a imagens por isso não há nenhuma imagem. O que tem são os nomes de Allah e do profeta Muhammad próximo à parte principal da Mesquita.
Como ela é uma Mesquita em uso a parte de orações fica separada dos visitantes. Ela é a mais popular então, ainda mais por ser grátis, a fila foi de cerca de 20 minutos. Como em toda Mesquita, precisa tirar os sapatos antes de entrar.
A Cisterna da Basílica foi o segundo ponto visitado do tour. Foi construída em 532 por Justiniano I pra suprir a necessidade de água do palácio real. São 336 colunas de mármore, algumas delas com estilo diferente por terem sido trazidas de outros lugares do então império - e também como forma de improviso. Ela apareceu inclusive em filmes como 007.
Paramos pra comer em lugares de street foods indicados pelo guia e ele foi pronto em acomodar qualquer restrição alimentar do grupo. Era um grupo pequeno de 10 pessoas, então a comida veio rápido.
Dali seguimos pro Grand Bazaar entrando pelo portão 20. Dali podemos ver (sem tirar foto hein!) o pessoal que faz negociação de ouro e moedas. É literalmente uma viela com uns 20 homens, cada um com uns 3 celulares. Lembra o pregão de uma bolsa de valores de alguns anos atrás, sabe? O grand bazaar tem mais de 4,000 lojas de tudo o que se pode imaginar. É tudo organizado e com preços que variam bastante. Aqui é o lugar que tem que negociar - mas não chegamos a comprar nada. Tem loja desde coisas mais básicas, temperos e doces por exemplo, até itens mais boutique, com design e preços bem mais elevados.
Dentro do bazar fomos até um local que lembrava um cortiço, e de fato era uma hospedaria no passado.
Ao fim do tour ficamos caminhando pelo bazar (sem comprar nada) e achamos um café pra dar uma descansada antes de voltar pro Airbnb e cozinhar.
DIA 2
No dia seguinte tivemos uma manhã mais lenta, colocamos um pouco de trabalho em dia e replanejamos o roteiro com base no que já havíamos feito no primeiro tour.
Fomos direto pro local de almoço no Hatray Medeniyetler Sofrası, do chef CZ Burak - já tinha visto alguns vídeos dele no Instagram mas só ao chegar lá que conectei os pontos. Tinha pouquíssimas opções vegetarianas ou veganas, mas conseguimos juntar algumas saladas e hummus e curtimos. Saiu coisa de £ 17 pra nós dois sem bebidas.
Queríamos visitar uma outra mesquita, menos “museu” ou “atração turística” é mais algo que os locais vão. Acertamos em cheio ao escolher a Mesquita de Fatih. Não tinha nem placas em inglês ou nada que desse a entender que recebia visita de turistas. No pátio ao lado estavam fazendo uma oração, chegamos justamente no horário da primeira oração da tarde. Foi bem interessante observar com respeito enquanto eles faziam uma prática que pra eles era nada mais que o básico. Observamos como outras pessoas que não estavam rezando estavam se comportando (eles sentam? Pode conversar? E se quiser tirar foto? Mulher tem que cobrir a cabeça? Caso esteja se perguntando, é sim pra todas as perguntas).
Ao entrar, os olhos encheram de beleza. Decoração rica em detalhes com escritos em árabe, tapete vermelho por tudo, detalhes ricos de construção, de decoração e pintura. Uma outra oração estava acontecendo, mas apesar de ter vários homens próximos ao local de oração (mulheres ficam numa área separada pra orar) observei que havia crianças correndo, gente deitada, e até alguns assistindo vídeo no celular. Me senti bem na Mesquita o tempo todo, era algo leve e convidativo, independente da minha fé. Claramente não éramos praticantes, mas ainda assim me senti tranquilo e bem-vindo.
À tarde fomos ainda em outra Mesquita, a de Suleymaniye. Ela já era um pouco mais turística (com entrada alternativa, por exemplo). Era muito bonita por dentro também. Um pouco mais vazia e com acesso limitado pra turistas.
Passamos no apartamento rapidinho e dali de perto saia um cruzeiro pelo Bósforo. Confesso que eu acreditava que seria algo mais voltado pra passeio turístico do que uma atividade dentro do cruzeiro. O jantar estava incluído, com bebidas sem álcool. O atendimento foi excelente (garçons esperar uma gorjeta), adaptando o que era possível pro prato vegano da Julia, e oferecendo bebidas (com ou sem álcool) sempre que era conveniente.
Lá pelas tantas começaram as atividades de música, com apresentação solo, dupla e em grupo. Foi interessante ver a música e dança assim de pertinho. No entanto, a meu ver, a experiência toda teria um potencial pra ser mais interessante. As fotos tiradas durante o jantar (que depois custava 150 liras cada) não precisavam pra mim. Mas isso era muito pessoal, até porque notei que muita gente acabou comprando. Eles já trazem as foros impressas na mesa depois, ao oferecer o álbum - que custa 1650 Liras (£ 72). A visão do Bósforo mesmo é mais direcionada pro lado norte, sem conseguir ver os principais pontos de Istanbul. Junto com o reflexo da parte interna do barco, essa pra mim foi uma das coisas que deixou a desejar. Dou nota 6. Não faria de novo, e talvez nem recomendaria. Se for pra comer algo diferente (pra mim foi servido uma pizza vegetariana, então não espere algo tão diferente) e pra ver as músicas tradicionais, pode ser que valha a pena. É mais a minha expectativa do que o como foi em si.
DIA 3
Já era tempo de a Julia conseguir comer uma baklava também - o doce mais tradicional e, pra mim, saboroso. Conseguimos achar baklava vegana na Karaköy Güllüoğlu. Foi indicação do guia, e foi super certeira e deliciosa. A média de custo era de £ 1 por baklava. Doce no sabor, salgada no bolso.
Logo depois almoçamos no Tahim, um restaurante focado em hummus, falafel e kibe e cheio de opção vegana e vegetariana. As porções eram super bem servidas e juntos custou cerca de £ 14. Ali também aproveitei para experimentar o Ayran, uma espécie de iogurte natural mais aguado um pouco, que é consumido como um suco. Bem gostoso, cheguei a tomar tudo, mas não que vá adotar pra minha dieta. Também fui elogiado pela minha pronúncia da bebida: AY-RRÂN.
Passamos rapidamente pelo bazar de especiarias pra bisbilhotar e apreciar as cores e a organização das nações especiarias e chás expostos. Assim como no grand bazaar tudo era organizado e convidativo. Pegamos curry, um mix de tempero pra carne (que vamos usar pra molhos), sal com limão (não sei nem como explicar) e grãos de pimenta vermelha. Tudo pra bagagem de cabine e tudo passou sem problema nenhum. Essa parte foi um pouco mais rápida porque estávamos indo encontrar o host de uma outra atividade: um workshop de lâmpada turca. Reservei ele também pelo Airbnb Experiences.
O host, Bunyamin, encontrou a gente do lado europeu e fomos juntos até o workshop dele, do lado asiático (minha primeira vez no continente). Ele contou um pouco sobre Istambul, a relação dele com a cidade, e a relação dele com as pessoas. Foi uma conversa leve, como quem encontra um amigo, seja antigo ou futuro. No workshop dele a lâmpada estava à espera da Julia, que por sua vez estava à espera deste momento há dias! Avental colocado, design escolhido, agora era mão na massa pra escolher as cores e formatos das pedras usadas. Bunyamin contou um pouco sobre a história das lâmpadas, a técnica utilizada e deu algumas ideias pra criação da peça. A Julia ponderou onde iríamos usar ela (na nova estante da sala) pra pensar melhor no estilo e cores. Ele deu algumas coordenadas e nos deixou à vontade pra trabalhar na peça enquanto o gatinho dele nos fazia companhia. Às vezes ele checava se tudo estava sob controle e dava a instrução da próxima etapa.
Tudo sem pressão e sem pressa. Sem querer empurrar nada a mais ou cobrar por alguma bebida, por exemplo. Ele ofereceu um upgrade pra o estilo da luminária (ao invés de lâmpada de mesa) mas sem o mínimo de insistência, o que nos deixou ainda mais à vontade pra aceitar o upgrade (200 liras ou £ 9 a mais).
Conversando com o Bunyamin ele contou melhor sobre o workshop deles, e que a ideia por trás de tudo é oferecer experiências genuínas, e até que visem buscar mudar ou “melhorar” a imagem de Istambul pra algumas pessoas. Escrevi “melhorar” entre aspas porque , não é que a imagem esteja ruim. Mas alguns fatores são negativos, inclusive mencionados por ele, como os taxistas que facilmente passam clientes pra trás (e não me refiro à posição dentro do carro - quem dera fosse). Achei esta experiência um dos grandes destaques da viagem de Istambul. Ele embala a lâmpada pra ser transportada de forma super segura. Uma baita experiência e um souvenir muito legal.
Caminhamos um pouco pra sentir a atmosfera do lado asiático e o que percebemos foi que parecia algo mais cru. Menos turístico e com mais dos estilos de lojas de tudo um pouco (mesmo!) até a ruas com calçadas irregulares e os muitos gatinhos. Voltamos pro lado europeu de ferry pra apreciar melhor a vista desta parte mais ao sul do Bósforo, por onde não passamos com o cruzeiro. A viagem é rápida e a vista bonita. É interessante pensar na quantidade de pessoas que já navegaram por estas mesmas águas séculos antes da gente, com intenções, sonhos e motivações diferentes, claro.
O nosso último dia de viagem se resumiu a visitar a região da Galata Tower - optamos por não subir. Almoçamos pertinho, no Vegan Dükkan Lokanta. Eu comi um Kebab vegano e a Julia uma espécie de ravioli turco, que estava muuuuito bom. Sabor bem definido e feito com atenção e delicadeza. Este saiu o equivalente a £ 18 pra nós dois.
De sobremesa, antes de ir embora, passamos no Hafiz Mustafa 1864, uma famosa casa de sobremesas e doces, pra provar outra sobremesa tradicional: o Künafe. Uma espécie de torta de queijo com açúcar. Pra mim o sabor foi principalmente de queijo. Mesmo
Com o açúcar quente sendo derramado sob o doce, pra mim o queijo foi o destaque. Ao invés de chá, acho um vinho cairia melhor. Já entendeu que não tem nada a ver com um cheesecake né? O queijo que lembra é queijo de forma mesmo, mais salgado. Indico provar, no entanto.
No caminho de um lugar pro outro sempre teve muito carinho aos gatinhos das ruas acompanhado de muito álcool em gel. Chegamos até a comprar comida pros gatos e saímos felizes alimentando eles por aí. O que eles ficavam sempre mais felizes, no entanto, era com a atenção que recebiam.
Vi que Istambul ainda mantém muito da atmosfera que eu esperaria pelo contexto histórico de Constantinopla e do império otomano. O que está entranhado da personalidade do turco é o que define como culturas tão diferente são o que mais chamam atenção em uma viagem. Entender que o que é nosso não é só o que existe, é muito menos só o que está certo, abre a mente e liberta. Sair da zona de conforto é necessário. E Istambul contribuiu um pouco mais pra essa realização pessoal. Tenho certeza que vai te tocar da mesma forma.